Imagem da Ciranda

CONTINUIDADE DOS PARQUES - Julio Cortázar

Guardião Lorenzo em 08/10/2023

CONTINUIDADE DOS PARQUES
Julio Cortázar

Começara a ler o romance dias antes. Abandonou-o por negócios urgentes,
voltou à leitura quando regressava de trem à fazenda; deixava-se interessar
lentamente pela trama, pelo desenho dos personagens. Essa tarde, depois de
escrever uma carta a seu procurador e discutir com o capataz uma questão de
parceria, voltou ao livro na tranquilidade do escritório que dava para o parque
de carvalhos. Recostado em sua poltrona favorita, de costas para a porta que o
teria incomodado como uma irritante possibilidade de intromissões, deixou que
sua mão esquerda acariciasse de quando em quando o veludo verde e se pôs
a ler os últimos capítulos. Sua memória retinha sem esforço os nomes e as
imagens dos protagonistas; a fantasia novelesca absorveu-o quase em
seguida. Gozava do prazer meio perverso de se afastar linha a linha daquilo
que o rodeava, e sentir ao mesmo tempo que sua cabeça descansava
comodamente no veludo do alto respaldo, que os cigarros continuavam ao
alcance da mão, que além dos janelões dançava o ar do entardecer sob os
carvalhos. Palavra por palavra, absorvido pela trágica desunião dos heróis,
deixando-se levar pelas imagens que se formavam e adquiriam cor e
movimento, foi testemunha do último encontro na cabana do monte. Primeiro
entrava a mulher, receosa; agora chegava o amante, a cara ferida pelo
chicotaço de um galho. Ela estancava admiravelmente o sangue com seus
beijos, mas ele recusava as carícias, não viera para repetir as cerimônias de
uma paixão secreta, protegida por um mundo de folhas secas e caminhos
furtivos. O punhal ficava morno junto a seu peito, e debaixo batia a liberdade
escondida. Um diálogo envolvente corria pelas páginas como um riacho de
serpentes, e sentia-se que tudo estava decidido desde o começo. Mesmo
essas carícias que envolviam o corpo do amante, como que desejando retê-lo
e dissuadi-lo, desenhavam desagradavelmente a figura de outro corpo que era
necessário destruir. Nada fora esquecido: impedimentos, azares, possíveis
erros. A partir dessa hora, cada instante tinha seu emprego minuciosamente
atribuído. O reexame cruel mal se interrompia para que a mão de
um acariciasse a face do outro. Começava a anoitecer.
Já sem se olhar, ligados firmemente à tarefa que os aguardava, separaram-se
na porta da cabana. Ela devia continuar pelo caminho que ia ao Norte. Do
caminho oposto, ele se voltou um instante para vê-la correr com o cabelo solto.
Correu por sua vez, esquivando-se de árvores e cercas, até distinguir na rósea
bruma do crepúsculo a alameda que levaria à casa. Os cachorros não deviam
latir, e não latiram. O capataz não estaria àquela hora, e não estava. Subiu os
três degraus do pórtico e entrou. Pelo sangue galopando em seus ouvidos
chegavam-lhe as palavras da mulher: primeiro uma sala azul, depois uma
varanda, uma escadaria atapetada. No alto, duas portas. Ninguém no primeiro
quarto, ninguém no segundo. A porta do salão, e então o punhal na mão, a luz
dos janelões, o alto respaldo de uma poltrona de veludo verde, a cabeça do
homem na poltrona lendo um romance.
Do livro Final do jogo. Tradução de Remy Gorga Filho

C001 - DIÁLOGO ENVOLVENTE
@Lorenzo

Corria pelas páginas riacho de serpentes
Decidido estava desde o começo
Cabeça, um romance

C002 - METÁFORA DO TEMPO ESPAÇO
@Lorenzo

Estar ou ser faz o momento
Veludo verde em poltrona de carvalhos
Capítulos que nunca terminam

C003 - INSTANTE SOLTO
@Lorenzo

Prazer perverso linha a linha
Sangue galopando em nossos ouvidos
Parque de carvalhos inertes

C004 - FLASHBACK ROMANESCO
@Cleusa Piovesan

Remix de fantasias no ar
roteiro sai das páginas
não há saída para o tormento

C005 - FIM DO ROMANCE
@Cleusa Piovesan

Um crime... castigo duvidoso
vida concretizada nas entrelinhas
só o leitor sai da história ileso

C006 - ÚLTIMOS CAPÍTULOS
@Rita Queiroz

Nomes e imagens na memória
Prazer perverso de se afastar
Fantasia novelesca

C007 - INSTANTE
@Rita Queiroz

Nada fora esquecido: azares, erros
Mão acariciava face do outro
Separaram-se ao anoitecer

C008 - PRAZER PERVERSO
@Luciene Avanzini

paixão abraça caminhos furtivos
sangue galopa ao crepúsculo
um punhal reluz… final do jogo

C009 - EMOÇÕES RECOSTADAS EM POLTRONA DE VELUDO
@Cleusa Piovesan

Enlevo no prazer de ler
conflitos envolvem o enredo
texturas à flor da pele

C010 - PITUAÇU
@RonaldorJacobina

Permanência dos parques
Gritaria escorrega, roda é gigante
Diversão viva, dor é vírgula

C011 - SEM DESTINO
@claudiotrindade

leitura romanceada
mergulho literário
punhal no veludo

C012 - ACARICIAVA O VELUDO
@claudiotrindade

fantasia novelesca
luz dos janelões
vida imita a arte

C0013 - O QUE HÁ DEPOIS DO FIM?
@Cleusa Piovesan

Mergulho no clima do romance
mimesis de meus planos
sou vilão, fujo para a imaginação

C014 - FINAL FELIZ
@Cleusa Piovesan

Roubei o coração do mocinho
alameda é rota de fuga
"Terra do Nunca" é o destino

C015 - COMEÇAVA ANOITECER
@claudiotrindade

continua seu caminho
viu-a com e cabelo solto
cabeça lendo um romance

C016 - POLIAMOR NO PARQUE
@Rogério Marques

Não importa quantos foram
Amor é a essência
Reminiscências afetivas

C017 - DIÁLOGOS VITAIS
@Rogério Marques

Olho no olho
Sentir o outro
Desligue o aparelho

C018 - CENA CORROMPIDA
@Cleusa Piovesan

Sem vestígios de luta
leitura é lenitivo
sou meu próprio algoz

C019 - VELEIDADE
@Cleusa Piovesan

Vilão do veludo verde
vacilo vendo vozes
vivo vida vulnerável

C020 - INÍCIO DO FIM
@Beth Iacomini

escadaria de tapete verde
quartos obtusos
olhares de abstinência

C021 - CAPÍTULOS DA VIDA
@Andréa Abdala

Absorvido pelas palavras
Nos dedos o fatídico cigarro
Final do romance

C022 - O PERSONAGEM
@Andréa Abdala

Recostado na poltrona
Lembranças flutuantes
Diálogo com o passado

C023 - OLHAR DE POETA
@Cleusa Piovesan

Verdes e veludos contam histórias
compraz-me observação
poesia em cenas de crime

C024 - SEM VESTÍGIOS
@Cleusa Piovesan

Distração, a um passo do fim
passos de lince me cercam
vida em descontinuidade

C025 - ÚLTIMOS CAPÍTULOS
@Marcelo Marques

Interesse pela trama
Prazer meio perverso
Trágica desunião de heróis

C026 - PELOS PARQUES
@néctar dos anjos

Olhares entrecuzam
A Grécia, está presente
Temis, a balançar

C027 - DE COSTAS PARA O FIM
@Nanda Chinaglia

desunião tece o enredo
capítulo sombrio…
veludo jaz vermelho

C028 - PARQUE DOS CARVALHOS
@Beth Iacomini

descansar o olhar drogado de concreto
sentir cheiro do entardecer
afastar-se do caos urbano

C029 - PAISAGEM DE CALMARIA
@Beth Iacomini

convite à leitura
pés de carvalho, o cenário
quiçá uma cama de veludo verde

C030 - REGRESSO DE TREM
@Marilia Tavernard

Negócios resolvidos
Passavam as paisagens
Entrava fundo no livro

C031 - PARQUE DE CARVALHOS À VISTA
@Marilia Tavernard

Paisagem que descansa
Relaxado no veludo
Lentamente memória suga romance

C032 - DESLIGOU-SE DE TUDO
@Marilia Tavernard

Fumo inebriava mente
Vilão do mal imagético
Linha a linha absorvida

C033 - PENDURADO NA MANGUEIRA
@Magitrix

Duas cordas já esgarçadas
Quando subo cheiro o céu
Calcanhar esfola na descida

C034 - ChAMA
@Magitrix

convidativas montanhas sinuosas
Cajado ferve de emoção
Lençol parceiro de festejos

C035 - SAUDAÇÃO
@Magitrix

Sob túnel arborizado
Flores rindo na alameda
Borboletas delicadas aplaudinfo

C036 - SINFOLÓGICA
@Magitrix

Águas batucando nas pedras
Galhos abraçados ao vento
Pássaros pedindo bis

C037 - ÚLTIMO ENCONTRO
@Kika

amor se perde no crepúsculo
como se fosse novela, a dor
lágrimas tristes, di amantes

C038 - COMEÇAVA A ANOITECER
@Chico Zé

voltou ao livro
nada fora esquecido
subiu os degraus do pórtico

C039 - UM DIÁLOGO ENVOLVENTE
@Chico Zé

recostado em sua poltrona
entrava a mulher, receosa
chega o amante, a cara ferida

C040 - UMA PAIXÃO SECRETA
@Chico Zé

nada fora esquecido
o punhal ficava morno
outro corpo que era necessário destruir

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